Sudestinos Ignorantes em Ação
Fábio de Oliveira Ribeiro
O racismo é um grave problema no Brasil, mas a tolerância policial ao racismo em São Paulo é criminosa.
É essencial ler com atenção e meditar com calma sobre os comentários ofensivos postados no Twitter por jovens brancos e bem nascidos que rejeitam a presença de outros (pobres, baianos, favelados, negros e pardos) nos Shoppings.
Em razão do teor ofensivo e violento dos comentários, percebe-se que seus autores acreditam tanto na própria superioridade quanto na inferioridade social, racial, intelectual, regional ou econômica dos outros, cuja simples presença no Shopping é rejeitada.
Estes jovens brancos bem nascidos não querem coexistir com os outros no mesmo ambiente. O DESEJO NEURÓTICO de limpeza sócio-econômica e racial manifestado pelos comentaristas é evidente e assemelha-se àquele que estimulava os sul-africanos brancos racistas a preservar a separação racial na África do Sul. No limite, quando ganha importância política e contornos totalitários esta patologia produz massacres, pois quem primeiro rejeita a convivência com os outros e impede-os de circular em determinados ambientes, está a um passo de exigir sua eliminação física.
Após estudar profundamente o fenômeno, Jacques Sémelin (Purificar e Destruir, Difel, 2009) afirma que o genocídio praticado na Alemanha (contra os judeus), em Ruanda (contra os tutsis) e na Sérvia (contra kosovares e croatas) foram fomentados com discursos incendiários feitos pelos líderes políticos daqueles países (Hitler, Habyarimana e Milosevic). Mas em todos os casos o discurso sacrificial só conseguiu alcançar seu propósito porque a propaganda criou um ambiente emocional confortável para que o respeitável público aceitasse a intolerância e praticasse violências.
Um pouco mais adiante o estudioso francês explica que:
O princípio básico é sempre o mesmo: fabricar emoção, suscitar o medo, a desconfiança, o ressentimento e assim provocar como reação, a vigilância, o orgulho, a vingança. Um aparelho de propaganda é, antes de tudo, uma máquina de fabricar emoção pública, a exemplo dos líderes, a quem ela reveza e amplifica o que dizem. É trabalhando com a emoção que ela almeja alcançar a adesão do público: ‘Não tem escolha’, é o que ela diz. ‘Temos, todos, que nos defender dessa gente. É uma questão de identidade: nossa sobrevivência está em jogo.’ E é por onde a propaganda ataca o pensamento: ‘Diante da ameaça comum, devemos nos mostrar mais fortes e afirmar o poder da nossa identidade.’ A propaganda procura impor a todos uma interpretação do mundo, apresentada como ‘vital’, a partir do grupo a que ela pertence. Dessa forma, o envolvimento emocional do público, rapidamente, se estende ao envolvimento ideológico.
Sem saber como tratar os rolezinhos, parte da imprensa brasileira reagiu com a mesma irracionalidade e a rejeição que devota ao MST e a outros movimentos sociais que os barões da mídia consideram indesejáveis .
A repressão policial se intensificou, inclusive com a realização de disparos de armas de fogo (usando balas de borracha) e a explosão de bombas de gás num Shopping. “Queremos mais repressão policial”, “estamos nos sentindo inseguros” , “esta baderna é inadmissível e tem que acabar” vociferaram lojistas e clientes dos Shoppings nas entrevistas que deram aos telejornais. E a onda de ódio discretamente alimentada pela imprensa agora cresce na internet, onde as ofensas racistas são mais diretas e as exigências de limpeza (social, regional e racial) dos Shoppings e a prática de violência contra os outros não são mediadas pelo temor reverencial despertado pelas câmeras de TV.
O ambiente de ódio e racismo em São Paulo não é novidade. O caso Mayara Petruso (jovem condenada por postar ofensas racistas no Twitter após a derrota de José Serra nas eleições presidenciais) ocorreu há bem pouco tempo. Semanas atrás, um garoto negro, pobre e gay foi brutalmente assassinado e a Polícia estranhamente registrou o caso como suicídio. Se um garoto branco bem nascido fosse encontrado morto com os mesmos ferimentos e mutilações que Kaique Augusto Batista dos Santos, o caso teria sido registrado como suicídio? Duvido muito.
O que assusta mais nestes jovens é a absoluta certeza de impunidade. Eles absorveram o discurso elaborado pela imprensa e o reproduziram com uma intensidade virulenta que chega a ser criminosa.
É impossível, todavia, que eles desconheçam os riscos que estão correndo ao postar estas mensagens racistas no Twitter, pois o processo e condenação de Mayara Petruso teve ampla divulgação na mesma internet que eles usam com frequência.
Outra coisa que assusta nestes jovens brancos e bem nascidos é a absoluta falta de conhecimento de História. Eles ofendem baianos como se Salvador não tivesse sido a primeira cidade a ser construída na Colônia a mando de D. João III, como se na Bahia não tivesse se forjado a nacionalidade brasileira durante a guerra contra os holandeses. Parecem não ter aprendido nas suas requintadas escolas privadas que durante dois séculos São Paulo foi uma capitania deficitária em que se falava predominantemente tupi-guarani. Após a proclamação da independência, São Paulo continuou sendo apenas uma província irrelevante com sua capital despovoada (que mal poderia ser chamada de cidade quando comparada a Recife, Salvador e Rio de Janeiro).
De fato, para mim é evidente que estes garotos desconhecem ou rejeitam a própria história familiar. Muitos deles são provavelmente descendentes de europeus pobres que chegaram ao Brasil a partir da segunda metade do século XIX. Mas agora os rebentos dos imigrantes rejeitam o país que acolheu seus ancestrais miseráveis. Eles são netos, bisnetos e tataranetos de camponeses descalços e mesmo assim acreditam ter sangue azul e, por consequência, direito exclusivo de frequentar os Shoppings. Pelo teor dos comentários percebe-se a crença deles na própria superioridade tanto quanto na inferioridade dos outros brasileiros (muitos dos quais pertencem a famílias modestas que com suor construíram e constróem este país-continente há vários séculos).
Os outros, cuja presença é virulenta e criminosamente rejeitada nos Shoppings, poderiam com muito mais justiça se dizer mais brasileiros do que os autores destes comentários ofensivos. E, no entanto, os rolezeiros não fizeram e não fazem comentários racistas ou excludentes na internet. Eles querem apenas passear e se divertir onde os comentaristas brancos e bem nascidos fazem compras. Em nenhum momento vimos comentários de jovens negros, pardos, favelados e baianos exigindo que seus inimigos declarados fossem expulsos dos Shoppings.
Este exemplo de generosidade racial e social dado pelos outros, que constituem a maioria esmagadora da população brasileira e paulista, é a única coisa que me deixa comovido nesta história. Enquanto os outros continuarem a rejeitar o péssimo exemplo dado pelos jovens bem nascidos, o Brasil tem um futuro possível para todos os brasileiros. Caso contrário, a minoria racista levará a pior, pois em conflitos deste tipo a força dos números é quase sempre absoluta e decisiva.
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